A alienação fiduciária é uma modalidade de garantia prevista pela Lei 9.514/97, que prevê que
o devedor (chamado de fiduciante) transfere a propriedade do imóvel a ser adquirido para o
credor (chamado de fiduciário), visando assegurar o pagamento da dívida até a sua quitação.
Essa foi e continua a ser uma das garantias mais utilizadas pelo mercado imobiliário, pois, em
caso de inadimplemento do devedor fiduciante, após notificado e não realizado o pagamento, a
Lei 9.514/97 prevê o procedimento de consolidação da propriedade em nome do credor
fiduciário e a alienação do imóvel em leilão extrajudicial para pagamento da dívida. Portanto,
a garantia traz segurança ao credor, que dispõe de uma boa garantia.
Ocorre que muitos compradores que aderiram a essa garantia na compra de imóveis e que
findaram por incorrer em inadimplência começaram a questionar judicialmente o procedimento
previsto na Lei 9.514/97, sob a alegação de seria muito oneroso ao adquirente a perda do imóvel
e, muitas vezes, a perda da integralidade dos valores pagos ao credor, em decorrência de multas
contratuais, juros, correção monetária e outros encargos.
Com isso os devedores buscavam a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), em
vez da Lei 9.514/97, para tratar da rescisão contratual e da devolução dos valores que pagaram
ao credor fiduciário durante a vigência do contrato, ocorrendo a proliferação de demandas
judiciais e, ao final, soluções divergentes nos Tribunais brasileiros.
Em razão dessa divergência, o debate chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em
meados de outubro de 2022, decidiu (tema 1.095) que deve ser observado o procedimento
específico previsto na Lei 9.514/97 para rescindir o contrato de compra e venda de imóvel que
esteja garantido por alienação fiduciária, desde que preenchidos três requisitos: que haja
registro do negócio e garantia em cartório, que o adquirente esteja inadimplente e ele tenha sido
constituído em mora, isto é, notificado para pagar o débito. Caso algum desses requisitos não
estejam presentes, o STJ entendeu que a Lei 9.514/97 não se aplica à rescisão contratual,
podendo essa ocorrer com base no CDC e na legislação civil.
Esse novo entendimento do STJ implicaria, em tese, na possibilidade do adquirente rescindir o
contrato de compra e venda de imóvel garantido por alienação fiduciária por mero desinteresse
na sua continuidade, desde que esteja adimplente, afastando-se o procedimento da Lei 9.514/97,
raciocínio esse que passou a ser amplamente replicado por Tribunais locais, como o do Espírito
Santo.
No entanto, aparentemente a questão ainda não está definida, uma vez que ainda observamos a
prolação de decisões judiciais que entendem não ser possível a rescisão contratual por
desinteresse do adquirente, por configurar quebra antecipada do pacto, mantendo a aplicação
da norma especial na Lei 9.514/97, como, por exemplo, no Poder Judiciário de São Paulo.
O que se verifica é que, apesar do julgamento realizado pelo STJ, ainda há divergências de
entendimentos entre os tribunais, o que se justifica pela grande relevância do tema, pois, de um
lado, há quem defenda ser ilegal amarrar o adquirente ao procedimento específico da Lei
9.514/97 e de outro, há os que advogam pela necessidade de estabilidade no negócio garantido
pela alienação fiduciária, de modo que a flexibilização do procedimento disciplinado pela citada
Lei finda por arruinar a sua eficácia, acarretando na perda de confiança do mercado imobiliário
na solidez dessa garantia, um instrumento que historicamente facilitou o acesso ao crédito
imobiliário.
Não se pretende aqui dizer qual entendimento está correto, mas é certo dizer que nuvens de
incerteza ainda pairam sobre a possibilidade ou não do adquirente rescindir o contrato de
compra e venda garantido pela alienação fiduciária, trazendo insegurança àqueles que
empreendem na construção civil e para aqueles que por meio dela buscam realizar o sonho da
casa própria ou de investir.
Jéssica Wiedtheuper é advogada especialista em Direito Imobiliário