A evolução do direito à passagem forçada – vizinhança

por ImobiNewsES

O Direito não é uma ciência exata e, como bem sabemos, sofre mutações ao longo dos anos. Essas alterações são fruto do contexto social vivenciado em cada período e se revelam de extrema importância para o atingimento do principal objetivo dessa brilhante ciência, que é a paz social.

 

O interessante é que não só as normas escritas sofrem modificação, mas também e principalmente, a forma de interpretá-las. A norma jurídica escrita, essa que conhecemos como lei, precisa ser interpretada para ser devidamente aplicada.

 

A regra a ser aplicada em cada caso, em cada conflito, é extraída a partir da interpretação da norma escrita. Interpretar a norma nada mais é do que extrair da sua essência e do contexto social a melhor regra a ser aplicada. É a interpretação, pois, que permite a extração de mais de uma regra para a aplicação de uma única norma escrita, variando de acordo com o tempo e o local.

 

A passagem forçada, por exemplo, é um instituto do direito que vem sofrendo mutações ao longo dos anos, permitindo aplicações diferenciadas. A passagem forçada é um direito garantido ao dono do prédio que não tiver acesso a via pública (popularmente conhecido como “encravado”), para que, mediante pagamento de indenização, possa constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário. Por prédio, deve ser entendido qualquer imóvel, urbano ou rural.

 

O dono do imóvel precisa ter acesso à via pública para poder usufruir do seu bem, sendo a passagem forçada a norma que garante esse direito. A passagem forçada deve ser instituída da maneira menos gravosa ou onerosa ao vizinho, sendo garantida, em todas as hipóteses, o recebimento de uma indenização equivalente.

 

A grande questão é que decisões judiciais recentes sobre o tema têm aplicado uma interpretação ampliada do instituto para garantir o direito à passagem forçada não só nas hipóteses em que o imóvel seja/esteja encravado, mas, também, quando mesmo não encravado, exista a possibilidade de se estabelecer uma passagem mais adequada para atender às necessidades do vizinho.

 

Imagine a seguinte situação: Pedro é proprietário de um imóvel encravado e para ter acesso à via pública precisa passar pelo terreno de Cecília. Há anos, Pedro utiliza a passagem pelo terreno de Cecília, que é uma estrada de chão, com ponte de madeira, que não permite o trânsito de caminhão e que dá acesso a uma via não pavimentada pela qual Pedro precisa se deslocar mais 80km para chegar ao asfalto (BR 101) e, enfim, escoar a sua produção.

 

            Pois bem, imagine que em 2022, o Município resolveu fazer uma nova estrada na região, toda pavimentada, que passa na frente da propriedade de Catarina, que também é vizinha de Pedro. Essa nova estrada dá acesso ao asfalto (BR 101) em apenas 10km. Para chegar até ela Pedro teria que passar pelo terreno de Catarina, percorrendo uma distância de apenas dois quilômetros. Bastaria abrir uma rua, sem a necessidade de ponte, por onde poderia passar qualquer tipo de veículo, inclusive caminhões.

 

Teoricamente, pela aplicação literal da norma, o imóvel de Pedro não seria “encravado”, já que tem acesso à via pública pela propriedade de Cecília. Pedro não poderia exigir, em tese, a passagem pela propriedade de Catarina. No entanto, considerando a nova estrada implementada pelo Município, o acesso pela propriedade de Catarina seria mais adequado, célere, produtivo e seguro.

 

A interpretação da norma que instituiu o direito à passagem forçada tem evoluído para considerar que nessas hipóteses o imóvel de Pedro seria “relativamente encravado” e que ele poderia buscar a passagem forçada pelo imóvel de Catarina. Vejamos uma decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e outra proferida pelo Tribunal de justiça do Estado de São Paulo, ambas nesse sentido:

 

Passagem forçada. Constatação de se tratar de imóvel encravado. É dispensável que o prédio seja absolutamente encravado, sendo suficiente, para o deferimento da proteção pleiteada, que o caminho indicado seja o mais adequado a atender às necessidades da postulante”

 

“Pertinência do pedido que restou bem demonstrada pelos elementos documentais aportados com a inicial e pelas oitivas tomadas em audiência de instrução. O único acesso ao imóvel dos autores é deveras complicado, restando intransitável em dias de chuva, pois ausente manutenção pública. Não se têm notícias da existência de outros meios. Imperioso concluir que os autores necessitam de outra via que possibilite livre acesso à sua propriedade, já que a única existente não permite uso adequado e diário. Possibilidade de concessão da medida na hipótese do chamado encravamento relativo. Precedentes. Caso dos autos que revelou não se tratar de mera comodidade, mas de efetiva necessidade”

 

Por isso, em Direito, cada caso é um caso e cada norma precisa ser devidamente interpretada. Essa nova aplicação do direito à passagem forçada reflete a importância do princípio constitucional da função social que se deve dar à propriedade

 


 

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