No final do ano de 2022, conforme apontado pelo Relatório “Justiça em Números” do Conselho Nacional de Justiça, o Poder Judiciário Brasileiro possuía um acervo de 82,5 milhões de ações judiciais pendentes de julgamento, sendo que neste mesmo ano, foram ajuizadas 31,6 milhões novas ações. O número impressiona e espelha a indesejada e inconveniente delonga na resolução das disputas judiciais.
Um caminho para solucionar essa sobrecarga de processos do Poder Judiciário, que só aumenta a cada ano, é a desjudicialização. Isto é, passar a compartilhar a resolução de conflitos que eram exclusivas do Poder Judiciário com a via extrajudicial (serviços notarias e registrais).
O movimento da desjudicialização não é recente, mas tem avançado gradativamente no sistema brasileiro, sobretudo quando verificado diversos exemplos de que a via extrajudicial é viável, eficaz, além de mais célere.
Um grande marco para o mercado imobiliário foi a edição da Lei 9.514/97, que instituiu a alienação fiduciária em garantia, possibilitando maior dinamização dos financiamentos imobiliários, na medida em que era possível constituir o devedor em mora e consolidar a propriedade em caso de não quitação, circunstâncias que deram maior segurança ao mercado financeiro para concessão de crédito imobiliário.
Em 2009, a Lei 11.977/09 autorizou a legitimação da posse e a posterior aquisição da propriedade por usucapião constitucional na via administrativa.
Em 2022, por meio da edição da Lei 14.382, houve mais um avanço no processo de desjudicialização, com a possibilidade de realizar a adjudicação compulsória de imóveis na via extrajudicial.
No entanto, a referida lei apenas previu o instituto, sem regulamentar a sua aplicação, o que somente ocorreu em setembro deste ano, quando a Corregedoria Nacional de Justiça publicou o Provimento 150/2023.
A adjudicação compulsória extrajudicial, em síntese, é um procedimento que possibilita a transferência de um imóvel para o nome do comprador pela via administrativa (cartórios de notas e de registros de imóveis), na hipótese de o vendedor não cumprir com as suas obrigações contratuais ou, ainda, nos casos em que o comprador resistir a realizar a transferência do imóvel para o seu nome ou não for localizado, tenha falecido, entre outros casos.
Apesar de ser inusitado que a adjudicação compulsória seja realizada pelo próprio vendedor, essa medida é juridicamente possível, como se extrai do artigo 440-C do Provimento, e, muitas vezes, é necessária quando a demora do comprador em promover a transferência do imóvel finda por gerar ônus às construtoras/proprietários do imóvel vendido, por exemplo, com a continuidade de cobrança de tributos e outras despesas inerentes ao bem.
Se antes era necessário ajuizar uma ação judicial, agora basta seguir o passo a passo do procedimento extrajudicial, que consiste basicamente nas seguintes etapas:
- Lavratura da ata notarial, constando os elementos do contrato, bem como, aqueles faltantes, além da certificação da prova da quitação pelo comprador ou cumprimento da contraprestação à transferência do imóvel pelo vendedor e a certificação do inadimplemento da parte contrária na transferência do imóvel;
- Protocolo do requerimento de instauração do processo de adjudicação compulsória perante o oficial de registro de imóveis;
- Notificação do requerido, por meio dos correios com aviso de recebimento, facultado o encaminhamento por oficial de registro de títulos e documentos, além de ser enviada a notificação por endereço de e-mail;
- Em caso de ausência de impugnação, afastada a que foi apresentada ou, ainda, com anuência do requerido, sem as devidas providências para efetiva transferência do imóvel, haverá o prosseguimento do processo extrajudicial;
- Com a qualificação registral (caso não haja exigências a serem atendidas), poderá ser deferido o pedido e realizada a transferência após o pagamento dos tributos, sem a necessidade da provocação do Poder Judiciário.
O movimento da desjudicialização é inevitável e benéfico, pois pode facilitar o dia a dia do empreendedor e do consumidor, além de trazer importante redução no gasto público e liberar o Poder Judiciário para o enfrentamento de outras questões, sendo importante que os cartórios atuem de forma adequada e uniforme no cumprimento da legislação.
Jéssica Wiedtheuper
Advogada especialista em Direito Imobiliário